quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Aos Olhos de Gene Kelly: Pitboyland a Nado (texto originalmente escrito em abril de 2010...)

Este vosso humilde escriba gosta de Peter O’Toole. Gosta de seu jeitão típico de quem quer se divertir acima de tudo e curtir a vida sem clichês. Pois é o mesmo O’Toole que, em um obscuro filme de 1997, estrelado por Ben Affleck, profere a expressão que cai como uma luva para esta Pitboyland inundada: “Chaos in the flesh...”. Caos à flor da pele. Pena que O’Toole não esteja aqui para ver o que realmente ocorre nesta alegre metrópole litorânea. Afora as imagens exibidas na televisão e as reações de políticos e secretários boquiabertos, este vosso escriba desceu do conforto de seu “apê” para vislumbrar uma cidade deserta – e assaz molhada –, sem viva alma que possa abrir uma banca de jornal, uma padaria ou um shopping. Nenhum veículo em ruas normalmente barulhentas. Nenhum carioca nas calçadas. Praias invadidas por pombos, e por aí vai; deslisamentos de terra, garagens alagadas, carros abandonados, ônibus parados, pessoas ilhadas, garis por todos os lados, e presidente no Copacabana Palace...).
Lá no fundo do meu coração, apesar do desespero de grande parte da população de Pitboyland, eu estava gostando. É estranho dizer isso – se morasse em alguns estados dos EUA, já estaria sentado numa cadeira elétrica... –, mas toda vez que uma tragédia natural atingia uma cidade que se dizia “preparada”, minha vontade era de sorrir e soltar o já manjado “como se isso fosse novidade...”.
De fato, não era. E eu não me referia somente ao político que prometia uma solução mas só queria aparecer na foto ou angariar votos. Também me referia a toda e qualquer camada da população de Pitboyland, do mendigo ao ricaço gordo, do maluco da esquina ao deputado ladrão. Não havia inocentes nessa história. Depoimentos desesperados e entrevistas coletivas dramáticas (patéticas?) não baixavam as águas. Caos é isso: nenhuma regra, nenhuma oportunidade, nenhum lugar por onde começar uma retomada.
Na tarde de terça, após o almoço na frente do canal de notícias, eu assistia ao filme “Superman 4: Em Busca da Paz”, de longe o pior de todos, com uma bagunça em cada elemento de sua estrutura. O Homem de Aço fizera um discurso na Assembléia das Nações Unidas durante o qual comunicava sua vontade (ou decisão sem consulta prévia) em livrar o planeta de toda e qualquer ogiva nuclear. Aplausos de todos. Em seguida lá vai ele voando e recolhendo mísseis americanos e (então) soviéticos, para jogar o todo em direção ao Sol.
Em Pitboyland, começou a chover forte novamente. Liguei o rádio e escutei as mesmas notícias. Minha mãe assistia a um filme com o Walter Matthau (“Hotel das Ilusões”) e não parava de repetir que “em 66 foi pior”. Good Lord! Eu ouvira histórias. Lendas sobre o ano de 1966. Nada que assombrasse os sonhos de um ex-morador de Moscou, mas o suficiente para que eu afiasse meus facões nigerianos e fitasse o horizonte com mais atenção.
Horas antes, eu estava diante do computador, conversando com uma amiga da Urca que não conseguira comprar pão pois a padaria não abrira. Ela conseguiu, contudo, levar o cão Elvis para passear...
A bem da verdade, na noite da mesma terça pensei em abortar o presente texto. Jogar tudo para o ar e riscar as páginas com um pincel atômico. As imagens e os depoimentos eram de lascar. Pais que perderam dois, três filhos; pessoas cujos parentes foram levados por cachoeiras de lama e entulho em questão de segundos. Pitboyland era uma verdadeira armadilha, e não raro sua população apenas tornava a armadilha mais letal. Abortar o texto seria, no mínimo, irresponsável de minha parte.
Paralelamente, a julgar pela maneira como certos meios de comunicação exibiam a tragédia (zoom de lágrimas, zoom de mãos tremendo, Fátima Bernardes in loco vestindo Burberry’s...), minha atitude ante os desdobramentos dos fatos deveria ser mais dinâmica. Ou talvez não. Eu certamente havia perdido a janela para a publicação do presente artigo, mas não havia perdido o sentimento de revolta mesmo estando a quilômetros do epicentro da catástrofe. Quando política e morte se misturavam em um macabro espetáculo no palco da civilização, o melhor a fazer era conter a ânsia de vômito, tomar algo – no meu caso, um suco de manga em Ipanema – e gastar o máximo de tinta possível naquilo que, por menos que fosse uma regra, deixava bem claro quem merecia estar apodrecendo sob um milhão de toneladas de lama, lixo e chorume.
Eu havia perdido a janela, mas não me sentia desesperado (talvez um pouco, mas somente pelo fato de passar o texto manuscrito para o computador...).
Com as águas baixando, com parte dos cadáveres sendo removida, com a segunda parte de confusão se instalando, já é possível perceber que o ano de 2010 – e por que não os demais? – estará posicionado à sombra do tal caos mencionado por Peter O’Toole. A leitura de um Nick Tosches (“The Last Opium Den”, excelente...) me acalma, mas eu sei que isso é momentâneo; que, mais dia, menos dia, novas chuvas cairão, outras regiões desabarão ou serão soterradas, políticos dirão seu bê-a-bá de asneiras demagógicas. Eu sei disso e vocês sabem disso! Ainda assim, alguns me taxarão de pessimista e apocalíptico.
Meda (sic)!

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Hellish Corner...


"Na sua opinião, como está Pitboyland?"
"Como eu gosto..."
"Obrigado..."

Super Mouse do Leblon (versão Código Morse)

Acordo duas vezes, em horários diferentes. Calor. Preguiça. Café reforçado. Rádio e jornal. A sacola de donativos deve ter uns 20 quilos e eu caminho, troncho e suado, até a igreja mais próxima para entregá-la. Mate gelado e salgadinho. Entrega de exames de sangue: bilirrubina alta, plaquetas baixas. Segundo o Wikipedia, isso talvez esteja ligado à condição do próprio sangue ou a lesões hepáticas (do fígado). Testes mais específicos serão necessários. Arrumações e rádio. Salada no almoço. Internet e pesquisas para textos. Textos, leituras e mais arrumações. Telefonemas. Libreville não tem CEP? Exercícios. Ducha fria. Trabalho com vídeos. Textos e música clássica. Circulador de ar. Desenhos e colagens. Cama às 2.