terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Let's face It, Brother...


Sem café nesta casa, sou alvo fácil para qualquer Morfeu...


Noite Tal

Pseudoecho definitivamente não era a melhor opção para aquela noite de sexta. The Cult, acompanhado de algumas doses de Stoli, se encarregava do trabalho direitinho, e eu sequer tinha que me preocupar com uma ressaca na manhã seguinte. Meu irmão e sua banda estavam bebendo no Empório. Eu disse que talvez fosse encontrá-los mais tarde, mas acabei ficando em casa. Não queria gastar grana, e duvidava que certas pessoas me ligariam como prometido.
A coisa toda parecia uma daquelas cenas de duelo em filmes de faroeste. De um lado, um Gary Cooper usando Levi’s, Hering e Doc Martens. Do outro, um Jack Palance trajando Ellus da cabeça aos pés. No meio, uma Grace Kelly, mas admito que um engradado de Original já estaria de bom tamanho.
Entre ir ao Empório e permanecer em casa, pouco estava em jogo. Até queria jogar com a sorte e ver se encontraria algum rosto conhecido, mas certamente não queria perder meu tempo com decepções de uma noite regada a chopp. Ficar em casa, entretanto, era o de sempre: som, palavras, álcool em quantidade moderada, possibilidade de filme antigo, Tiparillo, amendoim, (ou Doritos, ou Ruffles...), pensamentos estranhos, e cama ao som de MEC FM. Culpa e arrependimento não estavam no cardápio do dia. Assim, senhoras e senhores, a única coisa que podia ser afirmada com pétrea convicção era o seguinte: Ian Astbury e companhia podiam ter tropeçado como qualquer ser vivo ao longo da carreira, mas ainda cantavam e tocavam para CA-RA-LHO.

Homem-Máquina

Os dois sujeitos chegaram na manhã de uma segunda, quando eu ainda estava de ressaca. Vieram limpar os aparelhos de ar-condicionado e consertar a máquina de lavar. Um era negro e aparentava ter não mais de 50 anos. Seu ajudante era mais jovem, branco, musculoso e caladão. Eles desaparafusaram dois aparelhos e os levaram para a garagem, onde seriam limpos. Então o negro voltou e começou a mexer na máquina de lavar.
Com a cabeça latejando e uma grande vontade de jogar tudo para o alto, eu ofereci café. Ele aceitou, sem tirar a cabeça de dentro do emaranhado de fios da máquina.
Enquanto a cafeteira pipocava, quente, eu tentava lembrar de algo da noite anterior, mas apenas algumas palavras vinham à tona: convite, futebol, banho, transa, mais cerveja, barulho, cigarro, risos e sorrisos, cerveja mais gelada, gargalhadas e caras feias, turbilhão luminoso, temporal sonoro, chave errada, transa número dois, escuro. Na área de serviço, contudo, as frases do negão quarentão eletricista pareciam obedecer a um princípio de ordem ímpar:
"Eu tava louco pra tomar um cafezinho, sabe? Tomar um cafezinho bem quente e com açucar, e depois fumar um cigarro. Ou até dois, sabe?"
Engolido na complexa mecânica da máquina, ele arfava e limpava o suor da testa, limpando o mesmo na camiseta de surfista ou no jeans folgado.
"Tem gente que não gosta. Diz que café faz mal, que cigarro faz mal. Eu gosto dos dois, sabe? Café E cigarro. Gosto mais de café, bem quente e com açucar. Mas também gosto de um cigarrinho, sabe?"
Talvez eu soubesse, mas dificilmente atingiria um nível de paixão e disciplina como o seu. Fiquei olhando para o nada enquanto ele terminava o serviço. ele desceu até a garagem inúmeras vezes para verificar a limpeza do ar-condicionado e, imagino, fumar um cigarro. Eu logo percebi que meu dia estava perdido, e só melhoraria com o pôr-do-sol, momento durante o qual eu decidiria se sairia para beber uma cerveja ou ficaria em casa escrevendo, ouvindo música e assistindo a alguma reprise.

Uma Questão de Tamanho

Somos todos pombos crescidos em uma cidade grande qualquer. Somos pombos crescidos, acrescidos, brancos, negros, pardos e índios. Pombos que nasceram em berço de ouro, berço de maternidade ou nos imigrantes arrotos dos vários nordestes de um país. Nos bicamos, afoitos e ziguezagueando, por entre as cadeiras e lixeiras de uma lanchonete qualquer. Cansados e nervosos, respondemos aos instintos mais vis, baixos e alienantes, vivendo de migalhas e de nós mesmos.
Somos todos pombos crescidos, arfando em silêncio entre uma tempestade e uma comemoração inútil. Ingerimos restos aqui, deglutimos ódio e dúvida acolá.
Somos pombos crescidos, e sem razão.