sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Modus Operandi: Paella Nocturnis

Quando me olhei no espelho naquela manhã, percebi que estava com a cara do Cat Stevens, ou sei-lá-qual-o-nome-que-o-sujeito-tem-atualmente. Barba grande, óculos de nerd, feições de coitado que oferece a outra face ao invés de revidar. Fui até a cozinha, me servi de café preto e sentei na cama para refletir sobre a noite anterior.
Estava em um ônibus em direção ao Leme. Vi uma banda do exército tocar hinos ufanistas em uma praça de Ipanema enquanto um mendigo dançava alegremente na frente de múmias saudosistas do regime militar. Também vi uma freira ser presa por dois guardas municipais em Copacabana e ser acusada de roubo em uma padaria.
O restaurante, localizado em uma longa rua do Leme, era conhecido por sua comida espanhola e pela qualidade de seus frutos do mar. Os garçons eram atenciosos, mesmo se desvencilhando de tudo e de todos no apertado espaço dos corredores entre as mesas. Eu estava dividindo uma paella com arroz de açafrão com minha ex-esposa, e bebendo meia-garrafa de um vinho tinto decente, quando o casal se acomodou na mesa ao lado. O homem falava espanhol, era alto, ruivo, e devia ter uns 40 ou 50 anos. A moça tinha metade disso, era natural de Niterói, e falava o necessário acompanhado de um leve e tímido sorriso. Ambos vestiam bermudas, e pediram o polvo à Espanhola.
Lá pelas tantas, eu e minha ex-esposa começamos a falar de família, e não demorou muito para que eu começasse a baixar a lenha de sempre na minha: de como faziam as mesmas perguntas, de como se esqueciam dessas mesmas perguntas em menos de uma semana, de como contavam piadas racistas e sem graça, de como enchiam meu saco com essa história de concurso público, estabilidade e aposentadoria garantida. Concluímos que, da próxima vez que fosse convidado para um almoço de família, eu empregaria as mesmas "técnicas" a que sou submetido. Esqueceria o nome dos primos, perguntaria se eles ainda têm a casa em Teresópolis (é claro que têm...), ou se o filho de minha prima ainda estava no maternal (mesmo se ele estivesse com 8 ou 10 anos...).
Logo logo minha família me consideraria um jovem senil, "persona non grata" e provável usuário de drogas alucinógenas pesadas. Daí para não ser mais convidado para almoços em família seria um passo digno de Neil Armstrong.
Era um belo plano.

Baixas o Sarrafo, ô pá...

"Veia de Lutador" ("Fighting" – 2008), de Dito Montiel, é um filme bizarro, que beira, de modo irregular, o belo, o caótico e o débil. Centrada no tema da luta de rua, clandestina e rentável, a trama expõe parcelas da hipocrisia e da coragem nova-iorquinas, mas falha em não desenvolver certos personagens. O jovem Channing Tatum, ex-modelo de cuecas da Calvin Klein, está bem e certamente não é "mais um ator sexy com um rostinho bonito". Outros protagonistas, entretanto, parecem tímidos, tais como Terrence Howard, Zulay Henao e o excelente Luis Guzmán; o que só aumenta a impressão de que o filme termina rápido demais, com inúmeras questões mal resolvidas.
Apesar de lembrar o filme "Lutador de Rua" (com Charles Bronson e James Coburn), "Veia de Lutador" "destoa" no sentido de cambalear entre um drama à la Sessão da Tarde (mal desenvolvido...) e uma fábula asfaltada (muito mal desenvolvida...). Vale pelos socos.

Essa, nem Beyoncé salva...

As imagens exibindo o pagamento de propinas no governo de José Roberto Arruda trouxeram à tona mais un escândalo envolvendo políticos bem posicionados. No que diz respeito ao próprio governador Arruda, esse filme você já viu. Depois da violação do painel eletrônico do Senado, Arruda agora ataca de distribuidor de panetones para os carentes.
Você, caro leitor, deve estar se preocupado com os desdobramentos desse caso que, mais uma vez, apenas expõe as fétidas entranhas da política tupiniquim e reforça a idéia de que essa corja insalubre eleita pela massa alienada estaria bem melhor sob sete – ou mais – palmos de terra. Vai ser enxotado do GDF? Vai renunciar para não perder os direitos políticos? Vai levar Paulo Otávio e companhia com ele? Vai se livrar de fininho? Vai denunciar outros peixes graúdos? No calor do momento, este vosso humilde escriba e sumo-representante de Hardcore Brasília em Pitboyland quer mais é que todos os envolvidos sejam enviados imediatamente para a alegre Somália dentro de panetones gigantes endereçados a rebeldes consumidores de cocaína adulterada e armados até os dentes. Pau neles, ad aeternum!!!
O fato, entretanto, é que Hardcore Brasília completa 50 aninhos em 2010. E o que era para ser uma festa de arromba simplesmente esvaziou antes mesmo de imprimirem os convites. Sir Paul se livrou de uma a tempo. Madonna também. Resta saber quem, no frigir dos panetones, vai dar as caras no dia 21 de abril. U2 ou Beyoncé? Zézé di Camargou & Luciano ou Chiclete com Banana e Ivete Sangalo? Pelo andar da carruagem, a festa foi pras brebas. Não vai ter, e ponto final. Nada de comemoração, e, se bobear, alguém vai fazer o favor de apedrejar aquele relógio que está fazendo a contagem regressiva para o 21 de abril. Algo me diz que caí fora num timing para inglês nenhum botar defeito. Talvez.
Minhas fontes – que elas mesmas bebem nas fontes do Beirute da Asa Norte – relatam que reuniões já estão sendo organizadas com a finalidade de transformar o 21 de abril do ano que vem em Marcha do Rolo Compressor. Algo do tipo "Dia da Bastilha com vendedor de cachorro-quente e picolé", mas com um final não menos radical. Coisa pavorosa mesmo. Dizem estas fontes, entre uma Original e outra, que o episódio da Câmara Legislativa vai ficar no chinelo. Pobre Hardcore Brasília.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Um Viking no melhor dos infernos


E Deus olhou o anjo e proclamou: "...não esqueça de levar os ingressos do show do AC/DC para aquele jornalista desempregado de Pitboyland...". E assim foi. Pois o anjo, em toda sua glória, desceu dos céus e, carregando o valioso envelope nas mãos, bateu suas longas asinhas até a malfadada e litorânea metrópole.
A saga deste vosso humilde escriba no que concerne à única apresentação do AC/DC em território tupiniquim começou em outubro, quando sites oficiais, agências de notícias e redes de boatos anunciaram a data do show. Conseguir um ingresso em meio a um Maelström de ansiedade, desilusão, incompetência, resignação, euforia e esperança, talvez só possa ser comparado à jornada de Burton ao encontro das nascentes do Nilo, no coração da África Negra.
Falemos sério, caro e raro leitor: eu sou fã de AC/DC. Conquistei tal status aos 13 anos de idade, ao ouvir os primeiros acordes de "Who Made Who" e assistir a uma exibição da coletânea de vídeos "Fly on the Wall’, exibida pela finada TV Capital, de Hardcore Brasília (à época, Angus Young e companhia tinham acabado de se apresentar no Rock in Rio...). Foi paixão à primeira vista e à primeira audição. Desde então, não existe alma viva neste planeta que saia impune de uma conversa caso fale mal da banda na minha frente. Uns chamam isso de radicalismo. Eu chamo isso de conhecimento amealhado ao longo de décadas.
Afora as questões do jabá – sempre presente nos artigos publicados pelas principais revistas nacionais – e do favor – sempre em alta nos encontros entre produtores e "formadores de opinião" –, foi óbvia a desorganização perpetrada semanas antes da vinda do grupo. Uma única apresentação em um país de dimensões continentais?! Três apresentações seguidas em Buenos Aires?! Que diabos foi aquilo?! Qual seria a próxima grande idéia? Organizar uma reunião do Led Zeppelin no Acre ao meio-dia em ponto? Beirou o acinte. Ainda mais quando, vez ou outra, surgia um artigo duvidoso em alguma página virtual de notícias tecendo louvas e mais louvas ao...palco sobre o qual o AC/DC se apresentaria. "O palco do AC/DC vai ser maior que o palco da Madonna...". Ui, santa. Em alguns dos meus pesadelos mais vis, eu já podia me ver na arquibancada ao lado de um Eike Batista ou de uma Hebe Camargo (faltou pouco, pois fiquei na frente de ninguém mais ninguém menos que Lindberg Farias, o "Bonitão de Nova Iguaçu"...). Puro e sólido medo, daqueles de te fazer acordar empapado de suor, e tremendo feito vara verde.
Debilidades e fuxicos à parte, penamos para conseguir um ingresso. Digo "penamos" pois não fui o único fã tupiniquim que tinha todo o direito de assistir àquele que muitos acreditavam – e ainda acreditam – ser a última turnê da banda (crença reforçada por diversos fatos que diziam respeito principalmente a Brian Johnson e Phil Rudd...). Ingressos esgotados nas duas primeiras horas em que a Ticketmaster iniciou as vendas. Ingressos – 200!!! – achados por um morador de rua em uma lata de lixo no bairro paulista de Pinheiros, e distribuídos pelo mesmo no semáforo como se fossem panfletos. Novo lote de 1200 ingressos esgotados em meia-hora. Era um inferno; o que não deixava de ser irônico quando surgiu um novo boato, dessa vez dando conta de que a Igreja Universal havia comprado a maior parte dos ingressos e queimado tudo em uma sessão simbólica de exorcismo. Em matéria de boato, o público estava bem servido:
Boato1) para compensar o público brasileiro, o AC/DC gravaria o DVD oficial da turnê durante a apresentação no Morumbi.
Boato 2) para tristeza do mesmo público, a banda gravaria o mesmo DVD em Buenos Aires.
Boato 3) após a salva de tiros de canhão, o grupo voltaria para tocar "Ride On" ou "Jailbreak".
Boato 4) o presidente Lula e a ministra Dylma subiriam ao palco e cantariam "Dog Eat Dog".
Boato 5) a banda voltaria para mais duas paresentações em 2010 (Rio e Brasília).
Boato 6) Angus e Brian seriam recebidos no Palácio do Planalto.
Boato 7) durante a execução de "Back in Black", hackers evangélicos provocariam um novo apagão em escala nacional.
Enfim, bizarro. E nada de ingresso até aí. Este vosso humilde escriba já perdera a esperança, vestira o manto da resignação e definhava só de pensar que perderia a chance de assistir à melhor banda de rock de todos os tempos. "Não vou, e sequer estou nervoso", repetia eu, enfurnado no meu quarto dilacerado pela canícula que imperava em Pitboyland. Me via na posição de condenado à morte, prestes a ser executado, e apenas desejando que tudo fosse feito de modo rápido e indolor, sem maiores discussões e arrependimentos.
No entanto, caro leitor, eis que surge em cena O telefonema. Era um terça-feira, e eu já estava de saída para o ponto de ônibus, onde tomaria o 157 de praxe em direção à PUC. O celular tocou. Era meu amigo "Smoking" Dan.
"Eu liguei para um amigo, que ligou pro amigo dele, que ligou para sicrano, que é casado com fulana, e ela disse que vai arranjar quatro ingressos...Vamos?..."
Houve um curto silêncio, que pareceu durar séculos. Estava eu titubeando? Incrédulo e ranzinza, responderia eu com um "não" sonoro e covarde? Havia eu deixado meus cojones em alguma lata de leite no fundo de algum armário empoeirado? Pelos Céus, homem, faça alguma coisa!!!
"Sim, claro...", respondi, como se estivesse pedindo queijo extra no meu cheeseburger.
A partir daí, foi uma sucessão de momentos apressados, correrias, arrumações de mala, compra de passagens e esquemas dúbios. Na rodoviária de Pitboyland, comprei a Rolling Stone da Aline Moraes (também conhecida no bas-fond como "Boquinha de Radar"...), uma barra de chocolate, comi um misto e tomei duas cervejas. Embarquei para São Paulo num ônibus-leito às 23:45 e desabei no sono. Cheguei à megalópole às seis da matina, tomei um táxi e encontrei "Smokin" Dan em Pinheiros. Tomamos um café reforçado com nosso amigo "Little Devil" Pierre e passeamos pelo bairro japonês da Liberdade. Voltamos pra casa, descansamos duas horas e pegamos um táxi até o Estádio do Morumbi. Foi uma peregrinação, com um taxista que simplesmente não entendia porra alguma do que estava acontecendo. Aos poucos, o mar de camisetas negras vestidas por fãs encobriu o asfalto. Setenta mil pessoas aguardavam o começo do show, ora berrando, ora comprando camisetas, ora enchendo o saco, ora imóveis, bebendo uma cerveja. Bebemos três, compramos camiseta, pegamos uma chuvarada torrencial, assistimos a vários começos de tumulto, e entramos no estádio. 70000 almas esperavam, ansiosas, o relógio dar 21:30. Ninguém queria ver a abertura com o Nasi cantando covers. 70000 malucos afoitos e com seus chifres piscando. 70000 sortudos que contariam cada detalhe daquela noite para amigos, inimigos, amantes, esposas, filhos, netos, bisnetos e padres. Em um dos banheiros masculinos, todos se apressavam em urinar cervejas e refrigerantes para não perder a hora. Olas e mais olas cruzavam as arquibancadas enquanto a pista apinhada pedia a entrada da banda.
21:30. As luzes se apagam. Começa o desenho animado de abertura, no melhor estilo "japonês tarado". Explosões. Uma infernal e maciça locomotiva emerge dos bastidores. Em meio a urros de prazer e emoção, os primeiros acordes de "Rock’n’Roll Train" anunciam os 150 minutos mais aguardados de 2009. "Hell ain’t a Bad Place to Be" (com essa banda, nunca será...). "Back in Black" (nada de apagão...). "Dirty Deeds...", "Big Jack", "Shot Down in Flames", "Dog Eat Dog", "Black Ice", "Thunderstruck", "The Jack" (hora do striptease...), "Hells Bells", "Shoot to Thrill", "War Machine" (com direito a animação bélica...), "You Shook Me All Night Long" (com mulheres da platéia aparecendo na hora do refrão...), "T.N.T.", "Whole Lotta Rosie", "Let There Be Rock" (Angus Young tem 54 anos e consegue fazer tudo aquilo há 36 anos...), "Highway to Hell" e "For Those About to Rock". Acabou? Não. Teve uma saraivada de fogos de artifício, mas não teve repeteco.
No começo da apresentação, achei que a voz do Brian Johnson estava meio fraca e atrasada, mas não demorou para ele conseguisse encontrar um meio-termo decente. Os técnicos estão de parabéns: foi impecável e valeu cada centavo dos 220 mangos que paguei (fora despesas com ônibus, táxi, avião, alimentação, presentes, lembranças e cerveja). Aliás, valeu Dan e Pierre! Mesmo com o cansaço, o caos na saída, as quase duas horas em busca de um táxi, a noite foi um verdadeiro trabalho de profissional.
Vai ter mais um? A pergunta fica no ar. Com o AC/DC, cada ano é uma surpresa, e você nem se dá conta quando eles saem dos respectivos limbos. Alguns dizem que mais um álbum de estúdio seria tarefa pouco provável de ser realizada; e mesmo se fosse, só veria a luz do dia em cinco ou dez anos. Brian Johnson septuagenário berrando em 12 faixas? Muito pouco provável; menos ainda quando se sabe que ele já mexeu os pauzinhos para garantir a aposentadoria por outros meios que não a música (i.e. produção de séries para TV e corridas de stock car, na qual seu filho dirige...).
Pelo que vimos durante o solo de Angus, entretanto, tem energia ali para colocar qualquer coelhinho da Duracell no chinelo.
Resumindo: quem viu, viu; quem não viu...