terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O Sujeito Mais Perigoso do Verão Carioca

Os termômetros de rua marcavam 33 graus quando saltei do ônibus no cruzamento da Afrânio com a San Martin. Carregando as comprinhas de Natal, andei até o prédio da minha avó para dar uma alô e contar as poucas novidades da semana. O porteiro/zelador era um nordestino de uns 60 anos, de rosto retalhado pelo sol e pelos tempos, que sempre usava bermuda e camiseta, e se chamava "seu" Zé ou "seu"Antônio, ou algo assim. Abri o primeiro portão com minha própria chave e já me preparava para abrir a segunda, quando a mesma foi aberta antes. Achei que tivesse sido aberta pelo "seu" Zé, "seu" Antônio, ou algo assim. Mas estava enganado. O que surgiu à minha frente me fez lembrar, sem muito alarde ou pânico, da canção homônima do Black Sabbath (vide primeiro e sublime disco da banda...).
Bermuda folgada, camisa de botão vermelha completamente aberta, expondo um barrigão de vagabundo profissional, e chinelos. O que congelava qualquer espinha dorsal pouco experiente, entretanto, eram aqueles olhos azuis e aquele olhar de assassino, o todo encravado em uma armação de óculos fina que, por sua vez, se equilibrava em uma cabeça quadrada cujo único adorno era uma cabeleira loira e encaracolada.
Sem nome, sem profissão, e, até prova do contrário, nenhum som emitido por aquela boca de lábios finos e pétreos. Tudo que sei é que o sujeito bizarro mora no segundo ou terceiro andar, fuma feito uma chaminé – o jardim da minha avó agradece as inúmeras guimbas... – e vive às turras e aos berros com os pais (o pai faleceu há uns dois anos, e o cara mora com a mãe, uma senhora que sai para almoçar pontualmente ao meio-dia no self-service da padaria...).
Minha avó jura pelo sangue de todos os times do América F.C. que o bizarro em questão tem problemas com drogas, álcool e jogatina. Ou seja: o sujeito é bizarro E uma bomba atômica ambulante. Não diz uma palavra sequer, dá pequenas saídas pelo quarteirão, e volta para a sua toca com a mesma e sinistra desenvoltura.
Me pergunto se sou o único morador do Leblon a ter certo receio desse cara. Sei de gente que sente medo de outras pessoas – vizinhas ou não – neste bairro com fama de pacífico (arrastão não vale, pois é "movimento social"...). Mas sinceramente: só vendo o cara pra entender o que eu sinto. Cá pra nós, se o cara tivesse aquele jeitão e uns 70 ou 80 anos, eu não pensava duas vezes antes de fazer um monte de xerox com o título "nazista à solta". Vade Retro...

Uma Questão de Princípios

Foi mesmo uma pena eu só ter uma única cerveja na geladeira; além do prossecco e da vodca, é claro. Uma cerveja gelada, entretanto, era um dos melhores ingredientes – senão o melhor – para aquela virada de ano muito diferente.
Horas antes das doze badaladas fatais, eu ainda me comportava acima de qualquer suspeita: comprei alguns produtos comestíveis no supermercado, tomei meu suco de manga grande e comi um misto quente no Natural & Sabor do Bar 20, visitei minha avó, arrumei o apartamento, desejei um ótimo 2010 ao porteiro e à sua família, telefonei para parentes, ex-namoradas e ex-esposas, joguei o lixo fora, dei uma limpa no meu quarto, e me livrei da barba mezozóica de dois meses sem remorso algum.
Lá pelo final da tarde, entretanto, sinais de mudança foram avistados. Além dos momentos do barbeiro de pacotilha, instantes de desilusão e pessimismo batiam à minha porta. Sim, eram tempos diferentes; tempos em que nem tudo dava certo para todos. Em meio aos jorros de champanhe e cidra, em meio aos tradicionais seis pulinhos de onda e às flores a Iemanjá, enchentes e deslizamentos castigavam subúrbios e pequenas cidades turísticas, deixando dezenas de mortos sem ceia, sorriso e desejos de boas entradas. Antes, durante e depois da meia-noite, não havia motivo ou clima para estar alegre: para cada pessoa que me perguntava onde eu passaria meu réveillon, eu desconversava ou inventava alguma desculpa, expondo claramente meu desconforto com o assunto.
A verdade é que passei o réveillon sozinho no apartamento, escutando a orquestra de Brian Setzer e clássicos do rock dos anos 80. Estourei, meio sem jeito, uma garrafa de Chandon, tomei um gole, e depois voltei para a cerveja. Comi castanha de cajú, azeitonas recheadas de pimentão e um sanduíche de queijo prato. Deprê? Não tanto quanto ficar soterrado em um lamaçal com os próprios pais e irmãos, sem dúvida. Bem, o resto está nos jornais e noticiários.
Entre um filme da série Rambo – o quarto, dirigido pelo próprio Stallone, e assaz interessante – e alguns programas da MEC FM, eu concluí que meus réveillons nunca seriam os mesmos; talvez por respeito a quem não possuía as condições para uma comemoração merecida. Mas talvez por estar certo de que a vida apenas continuaria.