terça-feira, 8 de março de 2011

Carnaval em Pitboyland 2011: uma resenha

Único ser humano cuja alma foi – e ainda é – possuída por uma entidade alienígena, William Shatner não tem vergonha de passar dos limites. Além de cantar mal e dirigir na Stock Car aos uivos, Shatner entrevista assassinos, é entrevistado e tece considerações assaz pertinentes a respeito da “Iron Man” do Black Sabbath com o guitarrista Zack Wylde.

Por essas e por outras, regozijo-me ao concluir que William Shatner não pertence ao Carnaval de Pitboyland.

Com seus rabos siliconados, seus peitinhos bronzeados e sua horda de bêbados mijões, a “Festa da Carne” carioca fora contemplada com tempo nublado e chuva, o que fazia com que a muitos foliões apenas tocassem o “foda-se” com mais irresponsabilidade.
De minha parte, acalmava os nervos com uma cervejinha no alegre Méier. Minha namorada torcera o pé três dias antes e ficaria de molho durante uma semana (torcera o pé no aniversário de falecimento de minha avó materna, Santa Coincidência, Batman!). Com a dispensa cheia e uma programação prática – que incluía baixar pérolas cinematográficas na internet, passear o cão, ler, escrever algo e comer coxinha de frango na padaria –, sobrevivemos aos dois primeiros dias tal qual protagonistas de um conto apocalíptico no qual os monstros e demais desesperados têm a cara do governo e do jet-set alienado da Zona Sul. Não faltava muito para que resolvêssemos fincar uma Jolly Roger no topo da Igreja Nossa Senhora da Conceição, no Engenho Novo.

Porém, chovia...

Este vosso humilde escriba se divertiacom antigos trailers de filmes poucos conhecidos. “Disco Godfather”, “Black Gestapo”, “Copkillers”, “Night of the Zombies”, “Savage”, “Monkey Hustle”, “Nightmare City”, “Madhouse”, “Corruption” (com Peter Cushing no papel de um tarado…), “Sugar Hill”, entre outros. Baixamos uma bela seleção: “Dog Pound”, The Notorious Battie Page”, “Winter’s Bone”, “Basquiat”, “True Grit”, além do honesto “The King’s Speech”.

Na noite de domingo, subi no 476 de volta para o famigerado Leblon. Em determinado ponto, um vasto grupo de evangélicos invadiu o ônibus e iniciou sua sonora seleção de cantos religiosos louvando o nome do Senhor, anunciando a vinda do Messias e, ocasionalmente, devorando sacos de biscoito maizena. Assim que o veículo passou pelo Clube do Flamengo, saltei e andei, apressado, até adentrar minha humilde morada. As ruas já se viam invadidas por foliões, urinantes e embriagados. Adolescentes à procura de algum naco de sonho ou prazer como combustível para futuras histórias de vantagens e relatos rocambolescos. Minhas costas doíam, resultado de uma noite mal dormida.

Tomei um banho frio, abri uma cerveja e coloquei um Best Of de raridades de Jimi Hendrix no som. Preparei um Miojo com o resto da carne moída e comecei a dar um jeito na bagunça do escritório. Mais tarde, coloquei outro Best Of, dessa vez do Fred Astaire na sua fase MGM. Tomei um chá.

O prédio estava praticamente vazio. Nenhuma luz no vão dos fundos, nenhum barulho típico de uma noite de domingo (ok, alguém escarrou de modo triunfal, mas não sei quem foi...). Além de estar com a impressão de que eu era o último ser humano nas cercanias do Jardim de Alah, eu também estava certo de que a voz de Astaire era igualzinha à de Iggy Pop ao cantar “How could you believe me when I Said I loved you when you know I’ve been a liar all my life” com Jane Powell. Estranho, de fato.
Lá fora, coisa toda apenas começava. Na Sapucaí, nos blocos, nos bares e, com um mínimo de sorte, na casa de desconhecidos. Sequer pensei em ligar a televisão. Era vil, repetitivo e, a longo prazo, perigozo. Fred Astaire cantando “Got a Bran’New Suit” estava de ótimo tamanho, devidamente acompanhado de chá, textos, recortes mil, e uma boa bagunça sem tamanho no coração de mais uma madrugada.

Na manhã seguinte, acordei com as dores que vez ou outra me afligiam. Tomei café, escutei a rádio e continuei meus afazeres. Aparentemente, a Unidos da Tijuca festejou o medo, e fez boas menções ao cinema fantástico. Giselle Bündchen desfilou, mas não sambou. Afora isso, os mesmos desesperos por causa do tempo regulamentar, as mesmas angustias por causa do peso das fantasias, a mesma hipocrisia estampada nos lamentos dos afetados carnavalescos.

Conversei com “seu” Zé, faz-tudo e zelador do prédio de minha avó materna. Na véspera, os blocos haviam passado pela San Martin e pela Afrânio. “Foi um nojo só”, exclamou. “Era cheiro de mijo, cheiro de vômito, cheiro de álcool! Saí daqui às seis, e só cheguei em casa às nove! Carnaval às vezes é bonito, mas às vezes é só problema, sabe?”. Sim, eu sabia. A visão não era nada bonita.

Naquela noite, após improvisar um prato com arroz, sardinha e ovos cozidos, assisti ao filme “Outland” e continuei escrevendo algo que valesse a pena reler. Escutei Chet Baker (chato...) e Medeski, Martin and Wood. O carnaval em Pitboyland continuava o mesmo. E eu não gostava dele; ou passaria a gostar tão cedo. No frigir dos ovos (alheios, é óbvio...), eu tinha boa parte do que precisava.

E um atestado de alienado em meio a foliões débeis mentais não era um dos itens.

Quando os olhos brilham...