terça-feira, 17 de novembro de 2009

Suando um Mar Morto em Lupanares Alheios

O dia – a derradeira Sexta-Feira 13 do ano – começou com dois filhotes de cambaxirra adentrando a sala do apartamento e só saindo após a intervenção do zelador Batista. Findo o café-da-manhã, eu ainda estava de mau-humor e assaz ansioso. Apesar da chuva dos dois dias anteriores, o calor teimava em abraçar Pitboyland como se não houvesse amanhã. Minha camiseta do Rocket From the Crypt fedia a amônia e eu simplesmente não sabia por onde começar para agüentar o resto do dia.
Afirmar que o calor estava insuportável beirava um certo analfabetismo de minha parte, uma vez que o mero trabalho de raciocinar e achar uma expressão melhor para descrever a mortal canícula me cansava a ponto de eu pedir clemência aos céus a cada dez minutos e rezar para que uma princesa encantada entrasse pela janela do meu quarto carregando um engradado repleto de cerveja Original gelada e picolés de limão e uva. Como já disse, e faço questão de repetir, estava muito quente. A manhã, a tarde, a noite, a madrugada: todas reféns da mesma temperatura alta e do mesmo ar abafado.
Na televisão, a situação não era mais amena: a gatinha de boca grande, lábios carnudos e olhar de piromaníaca estava muito mal, enfurnada em algum hospital jordaniano seis estrelas irreal. Havia sofrido um terrível acidente no deserto e corria o risco de ficar tetraplégica, além de ser rejeitada pelo galã-guia-turístico-vagabundo interpretado por Thiago "Amore Mio" Lacerda. Era a arte imitando a vida após comprar um DVD pirata do Marcel Marceau na feira de Acari.
Enquanto isso, volto a repetir, Pitboyland continuava um verdadeiro forno microondas. Meu almoço foi pesado: carne vermelha com macarrão e saladas variadas, o todo seguido de duas xícaras de café. Entra a notícia sobre o leilão das bugigangas do Madoff e os berros xiitas por parte de torcedores do Vasco, me enfurnei – era o caso – no meu sacrossanto quarto e trabalhei um pouco. Não muito, para não desidratar e ser encontrado no dia seguinte, carcomido por formigas e passarinhos. Escrevi alguma coisa e teimei em praticar bateria em homenagem a Bon Scott.
Quando as oito badaladas soaram no alarme do telefone celular, me vesti apropriadamente e tomei o primeiro 157 em direção ao Humaitá. Passei uma hora ou mais em um engarrafamento na Lagoa, olhando para o chão metálico do ônibus e imaginando todo tipo de agrura que poderia ocorrer em tempos olímpicos e futebolísticos vindouros. Eu não tinha jeito de arauto do Apocalipse, mas bem que desejava que certos governantes de sorriso débil mudassem suas prioridades.
Saltei na Fonte da Saudade e bati na casa de um amigo. Juntos, fomos ao Joaquina da Cobal, onde tomamos uns chopps preliminares. Um pré-adolescente, filho de uma conhecida, parecia ter tomado doses cavalares de anfetamina junto com seu Sucrilhos matinal, e não parava de dar petelecos no meu amigo (mais tarde, soubemos, de fonte fida e digna, que o "problem child" cabeludo havia atacado um colega de escola sem razão aparente...A juventude...).
Após quatro ou cinco rodadas, pegamos um táxi com outra amiga, e rumamos para a Lapa.
Cada um tinha seu ingresso para assistir ao Festival Indie Rock na Fundição Progresso.
As ruas estava lotadas. Os bares, as boates e as casas de show também. Compramos mais algumas latas de cerveja e ficamos conversando por algum tempo do lado de fora. Havia de tudo: rastafaris, gente vestida de cigano, gente vestida de gente, gente vestida de gente, rockabillies, emos, indies, trogloditas, patricinhas, metaleiros, vendedores ambulantes, cambistas, mendigos, crianças e curiosos. Com algumas cervejas a mais no meu sistema corporal – também conhecido como "corpitcho" nas rodinhas de Medicina –, adentrei a Fundição e subi a escadaria até chegar ao bar. Mais cerveja. O lugar ainda não estava lotado, e nós descemos até a pista para assistir às duas últimas músicas da banda argentina El Mato a un Policia Motorizado, que até pode ter um vocalista-baixista decente, mas possui um estilo que ora lembra um Radiohead afetado, ora não lembra porra alguma.
No momento em que os galeses do Super Furry Animals entraram em cena, a platéia ainda era tímida. Não obstante a pouca quantidade de espectadores, a qualidade era das melhores. Este vosso escriba não conhecia o grupo, mas gostou do que viu e ouviu. Simpático, o grupo. Eles aparecem em uma cena do filme-delícia "9 Songs" ("Nove Canções" em tupiniquim moderno), pouco antes de mais uma cena quente (aliás, recomendo: veja o filme, lave as mãos e me conte o que achou...).
Passado o bom momento do SFA, intervalo. Cervejinha, papo recheado de besteira (algo sobre virilhas quentes, segundo consta...) e euforia exagerada (senão suspeita...). Alguém comprou uma camiseta feia, outro foi ao banheiro. Tudo ocorreu muito rápido. As pessoas queriam ir embora. Já passava das duas e meia da madrugada e os sujeitos do Gogol Bordello nem haviam dado as caras. Eu gosto de Gogol Bordello, mas não sou fã. A banda é decente, faz um som corajoso, mas se você conhece Mano Negra, vai perceber que já assistiu a esse filme dez ou vinte anos atrás.
Cheguei a assistir à entrada do grupo no palco e ao pula-pula do vocalista na primeira canção (sim, a pista esta abarrotada de gente e uma leve e suspeita nuvem pairava sobre a audiência...), mas me mandei logo em seguida. Mais um táxi, duas desovas e eu estava de volta ao meu bunker de jornalista desempregado. Eram quatro da matina.
Me despi, me lavei, liguei o ar-condicionado e armei o alarme para as oito.
Foi um ótimo dia. Mas se o seguinte começasse com outra dupla de pássaros, Pitboyland pagaria caro.

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